[Exposição]
Ever Archive: The Publications and Publication projects of Hans Ulrich Obrist
Joseph Grigely, 2021-2022
RAFAELA LIMA
Numa conversa entre Joseph Grigely, Zak Kyes e Hans Ulrich Obrist publicada em 2009 pela BedFord Press Editions, Grigely revelou receber correspondência regularmente desde os anos 90 por parte do curador e actual director artístico da Serpentine Galleries, em Londres. As Grigely-Boxes continham maioritariamente publicações e material gráfico como livros, artigos, catálogos e material de divulgação da autoria ou curadoria de Obrist. Este material foi designado por Joseph Grigely de exhibition prosthetics por ser precisamente um prótese das exposições, no sentido em que contribuem para que haja um prolongamento físico e temporal das mesmas. Tudo isto contribuiu para o início de um projecto que ambos ansiavam concretizar, num desafio a Grigely enquanto artista, ao colocar-se no papel do curador e comissariar uma exposição com base no arquivo de Obrist.
Desejo cumprido, 25 anos após o início destas trocas de correspondência, tem lugar na mezzanine da Biblioteca de Serralves à exposição Ever Archive: The Publications and Publication projects of Hans Ulrich Obrist, com curadoria de Joseph Grigely, a convite de Philippe Vergne, actual director do Museu.
Joseph Grigely, artista plástico estadunidense que ensurdeceu aos 10 anos de idade, é naturalmente sensível ao carácter visual e gráfico, próprio de todo o material que lhe foi sendo enviado pelo curador alemão; privado do sentido da audição, encontrou na linguagem escrita uma estratégia para dialogar com as pessoas que o rodeiam – longe dos constrangimentos inerentes à leitura labial e linguagem gestual, o registo escrito possibilita a preservação do discurso e das conversas em papel. Resistindo ao seu desaparecimento, a linguagem escrita permite a revisitação das palavras que oralmente se perdem pela sua efemeridade.
O arquivo é o caso de estudo e o próprio corpo de trabalho de Grigely – um coleccionador de conversas, anotações e desenhos, – que reúne no seu arquivo pessoal mais de 60 000 registos manuscritos resultantes desses milhares de conversas. Prática recorrente, para além do The Hans Ulrich Obrist Archive que podemos ver nesta exposição, anteriormente construiu o The Gregory Battcock Archive, após encontrar grande parte do trabalho do crítico nova-iorquino abandonado num armazém em 1992.
Como um arquivo dentro de um arquivo, um ecrã táctil posicionado no ponto mais próximo da escadaria que dá acesso à biblioteca, exibe The Handwriting Project, 2012-present. Uma janela aberta na conta de Instagram de Obrist deixa à disposição dos visitantes a visualização de inúmeras notas escritas à mão por artistas, curadores e outros intervenientes do meio artístico. Publicadas diariamente pelo curador, integram um projeto que Obrist tem vindo a desenvolver há cerca de 10 anos na defesa da prática da escrita à mão que o mesmo acredita estar a desaparecer.
Existe um foco comum nas práticas de ambos, uma resistência ao esquecimento da palavra e à amnésia colectiva que tem vindo a ser provocada pelo excesso de informação e imagens latentes à nossa era digital. Tempo e memória entram na rede de ideias que ligam as obras em exposição, acompanhados pela exploração dos formatos expositivos e do objecto impresso enquanto meio e extensão da prática artística.
Ao longo de nove meses, assistimos a um organismo vivo, uma exposição que convida à revisitação do espaço mensalmente, contando com a adição de novos números e elementos do arquivo de Obrist. Concebida por Obrist, Christian Boltanski e Agnès B, Le Point d’Ironie’’, 1997-2020, é uma publicação que se encontra disponível gratuitamente na mezzanine da Biblioteca e que conta com diferentes números a cada mês. Respeitando sempre o mesmo formato – um poster de dupla página – os artistas são convidados a produzir uma obra impressa a ser distribuída de forma gratuita por vários pontos do globo; sem terem de se submeter a indicações de galeristas e curadores, os artistas encontram nesta publicação um espaço expositivo de total liberdade, onde a obra não fica limitada a um espaço físico, podendo ser levada na mão pelos visitantes para qualquer lugar.
Portabilidade e gratuidade são os conceitos chave deste projecto que leva para as ruas publicações de dezenas de artistas, entre os quais Tacita Dean, Louise Bourgeois, Martin Parr e Jonas Mekas. Ao deslocar física e conceptualmente as obras dos ambientes restritos que constituem as galerias de arte, Le Point d’Ironie mostra-se um projecto centrado na distribuição em massa destas publicações. Ao retirar as obras das bolhas onde são habitualmente expostas, reproduzindo-as milhares de vezes, retira-lhes o valor do original.
Partilhando o mesmo ciclo periódico Vitrine Exhibitions, (2014-2020) é uma instalação que remete para uma proposta feita ao longo de vários anos pelos estudantes de Joseph Grigely na School of the Art Institute of Chicago. O trabalho consistie na realização de um pequeno exercício curatorial para organizar micro exposições circunscritas ao espaço interior de uma vitrine com material do The Hans Ulrich Obrist Archive. Em Serralves, encontramos a obra disposta em duas vitrines lado a lado, e que a cada mês apresentam novos objectos do arquivo. À medida que os meses passam e que as vitrines recebem novos projetos, registos fotográficos de The Kitchen Show - UPO: Unidentified Printed Objects, Migrateurs – The Hotel Drawings, Containers - Untitled [In One Chord], Flight – Douglas Gordon: Letters to Hans Ulrich Obrist, entre outros, vão sendo expostos por ordem cronológica, acompanhados das respectivas fichas técnicas, permitindo aos visitantes consultar as montagens anteriores e ter um melhor entendimento da dinâmica adotada.
Em cada projecto deparamo-nos com diferentes formas de entender as exposições, numa pequena mostra das práticas curatoriais de Obrist que ao longo dos anos tem sido arquivada por Grigely. Uma exposição pode acontecer numa cozinha, num quarto de hotel, num cartaz ou num livro. Localizada no ponto mais próximo da escadaria que dá acesso à biblioteca – The Kitchen Table (2021) é uma instalação de leitura que proporciona uma pausa no ritmo da visita e um momento de reflexão e revisitação das conversas de Obrist, reunidas nos vários livros que se encontram espalhados sobre uma mesa de cozinha; a informação contida e compilada nas transcrições das entrevistas do curador representam uma leitura transversal da sua obra. Uma vez mais é um exemplo de como uma exposição não está presa a um formato único e de como o seu alcance pode ser estendido através de um objecto, que ao existir num formato impresso, leve e móvel, proporciona uma ligação de proximidade entre os visitantes e o próprio conteúdo.
Desde The Kitchen Table, à instalação Banana Boxes, o objecto-livro é apresentado como o modelo de disseminação de eleição nas práticas editoriais e expositivas de Obrist. A escolha da mezzanine para receber a exposição, situada acima dos livros que compõem a Biblioteca de Serralves, não poderia ter feito mais sentido. Afinal, se na biblioteca somos convidados a vestir luvas para manusear as publicações e os livros de artista da colecção, na mezzanine, são entregues carimbos para manchar as mãos numa evidente provocação ao valor do objecto impresso.
OLHAR—VER
O Pecado
Luís Miguel Martins Miranda
Quo Vadis, Aida?
Luís Miguel Martins Miranda
Vazante
Felipe Argiles Silveira
On abortion (Laia Abril, 2018)
Luciana Lima
Arthur Jafa, uma série de prestações absolutamente improváveis, porém extraordinárias (Arthur Jafa, 2020)
Roberto Leite
Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
Faculdade de Belas Artes
Universidade do Porto
Avenida Rodrigues de Freitas, 265
4049-021 Porto
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., no âmbito do projecto UIDP/04395/2020